Os princípios da Mecânica Quântica organizam o mundo

Teresa Peña

Instituto Superior Técnico
Centro de Física Teórica de Partículas

 

O ano internacional da Tabela Periódica é uma boa oportunidade para meditarmos nos princípios da Física que ela esconde e revela. Esses princípios só foram (re)conhecidos muitas décadas depois da sua apresentação, o que dá um valor especial ao trabalho de Mendeleev que organizou a sua primeira versão em 1869.

Um desses princípios é o da existência (real e não abstracta) de átomos, que só foi estabelecida pelos físicos no século XX, apesar das evidências prévias dadas pelas leis de balaço da massa nas reações químicas. Foi através do trabalho de Einstein sobre o movimento Browniano de grãos de pólen em água, e a determinação do número de Avogadro, que se afirmou a existência física de átomos

O segundo princípio também ter a ver com comportamento estatístico e de conjuntos com um grande número de partículas. Veio anos depois com o desenvolvimento da Mecânica Quântica e da Estatística Quântica de Fermi-Dirac: a lei de distribuição por estados de energia de partículas idênticas de “spin” 1/2, que nunca as deixa conglomerar numa mesma energia a não ser que tenham “spins” diferentes (existindo apenas duas possibilidades projeção “up” e “down”). É do limite do número de partículas num estado de dada energia que resulta o número de electrões no nível de energia mais alto de um átomo. Este é o nível onde estão os electrões que determinam o comportamento químico desse átomo. Se esse nível de energia mais elevada estiver completo com o número máximo de electrões correspondente, o átomo tem uma estabilidade especial, sendo como inerte. Chamam-se electrões de valência os do nível de energia mais alto, e são eles apenas, e não os que estão nas camadas mais internas, que decidem como os átomos a que pertencem interagem com outros e formam moléculas.

A periodicidade de comportamento organizada na Tabela Periódica tem pois um “ritmo” (período) definido precisamente pelo enchimento de camadas internas até se ficar de novo com o mesmo número de electrões de “valência”, depois de percorridas as “caixas” da tabela seguindo uma dada horizontal. Sem o princípio que está na base da estatística de Fermi-Dirac, o número de electrões num estado não teria limite, e a periodicidade de propriedades químicas dos átomos e dos seus estados excitados não ocorreria.

Com o desenvolvimento da Física Nuclear e a descoberta do núcleo, 100 mil vezes mais pequeno que o átomo, a Tabela de Mendeleev ganhou uma dimensão extra: um “segundo” eixo para lá do que mede o número de electrões Z (ou porque os átomos são neutros de protões, em número igual ao de electrões). Existe ainda um eixo onde se mede o número de neutrões N no núcleo dos átomos. Toda a matéria visível que existe está confinada numa ilha bem delimitada, definida por valores e mínimos de neutrões para um dado número de protões Z. A massa é agora proporcional a Z+N, que chamamos o número de massa A. Nessa ilha existe um vale de núcleos estáveis, de onde partem ravinas de átomos instáveis, que vivem mais um menos tempo, mas nunca vivem para sempre. São os núcleos radioactivos (que decaiem ou se transformam). O mapa a duas dimensões Z e N chama-se Tabela de Nuclidos, e extende a tabela atómica de Mendeleev. Tal como os electrões, os nucleões arrumam-se em camadas de energia com um número finito de ocupantes, e as camadas “cheias” dão aos núcleos estabilidade. O interessante é que os núcleos da Tabela de Nuclidos também têm propriedades definidas quase só pelos seus nucleões de valência, os nucleões que estão nos níveis de energia mais elevados.

Finalmente, ainda a uma escala mais pequena da dos núcleos, ao nível dos quarks que formam o protão e o neutrão (os nucleões), de novo o comportamento efectivo de quarks “de valência” surge. Os pares “quark-antiquark” que podem surgir a partir de “campos” semelhantes aos das partículas de luz, multiplicam-se e organizam-se dando a massa e outras propriedades ao protão, formando estados de apenas 3 quarks de valência. São estes, como acontecia com os electrões de valência do átomos, que de facto explicam muitas propriedades dos nucleões, assim como dos seus estados excitados.

A organização da matéria visível é feita pela mão estranha da Mecânica Quântica. E a matéria/energia que não vemos, mas sabemos que existe, a chamada matéria e a energia escura, como se organiza?


© 7º Encontro de Professores de Física e Química - Sociedade Portuguesa da Física